terça-feira, 10 de julho de 2012

O Poder Devastador da Gratidão


O pai ordena ao jovem filho: Amanhã, quando voltar quero esse quintal capinado e limpo, senão, você irá apanhar.
No dia seguinte, o jovem levanta-se pela manhã e dá início ao árduo serviço. Decorrida cerca de uma hora, aparecem no portão alguns amigos e o convidam para uma animada partida de futebol. Após alguns segundos de hesitação o rapaz recusa a oferta, desencorajado pela lembrança do tamanho das fivelas dos cintos do pai. Os amigos se vão e ele continua o labor.
Um novo grupo de amigos se aproxima alguns minutos depois e lhe fazem uma proposta ainda mais tentadora: que tal irmos aquele passeio ao Shopping Center.

O jovem agora se sente mais tentado, chega a largar o pesado cabo da enxada, mas recua. Os demais insistem: pagamos sua passagem, que tal? Mas apanhar do velho não é muito agradável, a resistência permanece. Os garotos se vão. O jovem volta ao trabalho, mas sua mente está no mundo dos campos de futebol e Shopping Centers, parece que apesar de capinado, o quintal não vai ficar muito bonito ao final do dia. Um sentimento de revolta começa a se apossar dele: “que velho chato” – pensa o rapaz.

Finalmente um grupo convincente se aproxima. A proposta agora é praticamente irrecusável: “Lembra-se daquele parque? Estamos indo todos pra lá. Pagamos sua passagem, sua entrada e sua refeição, será muito divertido, que tal?” O garoto joga a enxada metros de distancia. O pensamento é o seguinte: Ta na hora de eu enfrentar aquele velho, afinal, quem ele acha que é? Que vai me dar ordens para sempre?
Ele coloca na balança as alternativas e chega a conclusão: chance como essa eu não terei novamente, não posso desperdiçar. Vale apena enfrentar o velho numa situação dessas, mesmo que me custe alguns bofetões. Estou disposto a suportar.

Infelizmente essa parábola reflete a realidade de grande parte das igrejas evangélicas no Brasil. Crentes sujeitando-se a vontade de Deus por que são ameaçados pelo castigo. Suas debilidades são facilmente lançadas no ventilador. Instaura-se um relacionamento induzido e falso entre os cristãos e seu Pai, onde os filhos fazem o que o pai ordena, em troca não apanham. Os pregadores, dessa forma, desprezam o poder da cruz de Cristo, subestimam seu perdão e misericórdia, trocando a verdade do evangelho, arrastando os fiéis a um relacionamento fundamentado na antiga aliança.

O antigo testamento só deveria ser entendido a luz do novo, mas não é isso o que se vê. As pessoas continuam tentando se justificar diante de Deus no cumprimento da lei. Pela lei são salvas, e isso vem delas, não pela graça, para que possam se gloriar. Mas a “Escritura’ é clara quando afirma em Hebreus cap. 7 que a lei é incapaz de aperfeiçoar o homem. Aliás, chegamos a conclusão depois de certas experiências que não existe nada capaz de transformar o comportamento de uma pessoa em relação a outra, exceto o sentimento de gratidão. Aquele jovem rapaz da parábola foi ameaçado pelo pai, e por isso (não por sinceridade) começou a executar suas ordens. Mas havia um problema: Ele queria sair, trabalhar ele não queria. O serventilismo conseqüente da ameaça pode e , esporadicamente, acaba produzindo alguns resultados na vida dos ameaçados.

São pessoas que esquivam-se do pecado como podem, mas apenas pelo medo de suas conseqüências, sejam elas devastadoras em suas vidas ou apenas expostas nos púlpitos das igrejas. Não importa o conteúdo da falta, ninguém gosta de ser exposto. O problema é que no fundo, no fundo, elas queriam pecar. Sua natureza continua pecaminosa, não houve transformação interior. Nesse ponto, nem a lei, os mandamentos ou qualquer ordenança, seja de que natureza for, pode atuar. Homens e mulheres não mudam mediante uma disciplina baseada em regras de comportamento ou no medo, isso é fato. O pecado contrastado pela obrigatoriedade vence pela insistência. A própria escritura diz que o verdadeiro amor lança fora todo o medo. Há uma desenfreada confusão dos valores bíblicos fundamentada em versículos isolados e carentes de hermenêutica. Confunde-se freqüentemente “temor do Senhor” com “terror do Senhor”. Temor é um respeito reverente a soberania de Deus, submeter-se a Sua vontade sem murmurar, e não medo de seu implacável chicote pronto a castigar o primeiro que errar.
Confunde-se “exortação” (que significa motivação e aconselhamento) com “repreensão” (1 Tm 5.1). Usam Apocalipse 3 para afirmar que Deus castiga e disciplina a todos quem ele ama.
A pergunta então passa a ser: Aquela carta foi direcionada somente aos crentes da igreja de Laodicéia? Óbvio que não! Então foi direcionada a todos nós? E a resposta permanece: é óbvio que não!
A carta foi destinada a todas as igrejas que estiverem nas mesmas condições de Laodicéia, entendendo-se:
Que Jesus estava do lado de fora dessa igreja, pois logo em seguida ao versículo referente à necessidade do castigo e da disciplina diz: Eis que estou às portas e bato...
Que a igreja não precisava de Jesus, pois se dizia abastada e rica, mas aos olhos do Mestre, ela era miserável, pobre, cega e nu. Sua nudez (da alma) carecia de vestiduras cristãs, pois sua aparência era podre e repugnante. Sua cegueira impedia de ver o quanto seus seguidores dependiam de Cristo para salvação, e não de seus orgulhos.

Se a igreja onde congrego com meus irmãos está nessa condição, a carta de Laodicéia é uma realidade inevitável a ser pregada. Porém, se Jesus está do lado de dentro, devemos deixar de duvidar da ação transformadora do Espírito Santo de Deus e passar a crer que “Aquele que começou a boa obra em nós há de nos aperfeiçoar até o Dia do nosso Senhor”. Somente assim Ele agirá, mudando a natureza dos crentes, quando formos gratos e não obrigados.
Se a lembrança do jovem rapaz fosse a de um Pai compreensivo, que não é instável em seu caráter mediante suas falhas, de alguém que demonstra um amor visível , e não de um pai castigador e implacável, dificilmente ele cederia a tentação, e executaria o trabalho sem vacilar. A obra obrigatória é mal feita.

Quem tenta fazer a vontade de Deus por obrigação pode até resistir a tentação vez ou outra, mas em breve cederá, pois o pecado invariavelmente é prazeroso, ao contrário da ordenança que não o é. Porém a gratidão de uma pessoa pode transformar sua natureza. O trabalho não é penoso para quem é grato, e quando contrastado pela tentação, ele facilmente equilibra a balança.
É difícil amarmos até mesmo pessoas que nos rodeiam e fazem parte de nosso cotidiano, quanto mais a um Deus sem misericórdia, abstrato e distante.

A mensagem do evangelho a ser pregada deve gerar gratidão e não medo. Filhos gratos são constrangidos a errar menos e invariavelmente tornam-se amorosos e compreensivos. A casa onde vivem filhos gratos sequer carece de correção e disciplina diárias, pois sua natureza consiste em fazer a vontade do pai prazerosamente, e na maioria das vezes, na ausência de qualquer ordenança.
Quem vive pregando castigo e ameaça, vai precisar sempre corrigir seus seguidores, mas se Jesus estiver do lado dentro, seu Espírito estiver agindo nos corações e os crentes acreditarem que Ele está transformando suas vidas, poder-se-á ouvi-lo dizer: “Minhas ovelhas ouvem minha voz e me seguem”, e não “apanham de mim e por isso me seguem”.
Ao contrário do que se pensa o perdão não traz liberdade pra pecar, mas constrange a amar quem concede graça. Quando entendemos isso, somos quebrantados, tornamo-nos sinceros, fazemos com prazer.

Que preguemos mais o amor, semeemos mais a Graça, nos apaixonemos mais por Cristo e acreditemos mais no poder devastador da gratidão.
Fiquem todos na paz.

Alexandre Unruh