terça-feira, 3 de abril de 2012

Noites


Êxtase
Os argumentos do entardecer eram irresistíveis e sob o conselho camuflado da consciência contaminada, me entregava novamente aos braços do desconhecido. Os copos gelados entorpeciam e encorajavam, mediante a distração, o astro rei se escondia imperceptível e me abandonava. As gargalhadas dos boêmios jamais foram aliadas dos meus interesses, esse desvio de conduta era inexplicavel, a vaidade me completava.
Ignorava as boas vindas das madrugadas ocupando minha mente entre o desprezo pela realidade e o desfrute da utopia momentânea. As luzes delongar-se-ão a voltar, dizia.

Melancolia
A responsabilidade é inimiga da consciência festiva, queria me governar, mas o momento era de anarquia. O problema é que ela morava no travesseiro, destino inevitável. Os copos sustentados pelas mãos cada vez mais trêmulas trasbordavam pelos pulsos, mas o relógio jamais se afogava.
Ao aproximar-se a aurora, a ficção levava de carona o regozijo mas eu geralmente era coduzido pela amiga intuição.
Como em cama de boêmio lembranças recentes não se deitam, as pálpebras encobriam a realidade e ainda por um pouco adiavam o encontro com a melancolia.

Depressão
As trevas a amamentavam e faziam crescer saudável. A luz então tornava-se desejável, mas o fulgor só penetrava a pele, o espírito permanecia impermeável. Não havia acalanto em lugar algum, tudo era espinho, a água era salgada e o ar continha fumaça. Maldita lucidez - dizia - minha inimiga, afasta-te ! A depressão tranca em uma esfera ôca de solidão, só o que resta é dar voltas, e voltar, nesse caso, era um convite a boemia.

Alternativa

A religião dava náuseas e a noite era o remédio. Os estatutos descriminam os desobedientes mas são rasgados pela vontade. As cartilhas comportamentais bem editadas que me eram entregues se acumulavam na estante do descaso. Para mim, os bares eram menos danosos e não tão espúrios. O contraste do prazeroso que me custava com o obrigatório que me forneciam gratuitamente era desarrazoado. A carne era fraca mas a lei mortificava o espírito despreparado: parecia que eu era o mais sóbrio, que saudade dava da noite.

Acalanto

Escalada solitária: fugir da vontade sem quebrá-la era como correr atrás da própria sombra. Os que me ajudavam, me matavam, e os que me ignoravam, também. Entoxicado pelo desalento, padecia inerte e comiserar-me era inútil. Então ouviu-se no declive da morte um sussuro e a
taciturnidade da treva rompeu-se pela vida: Levanta-te e anda, dizia. Mãos me seguraram firme e trouxeram de volta. Perguntas sem resposta: ninguém refutava os porquês. Não houveram homens, nem intermediarios ou exigências. Não houve esforço, nem mérito ou obediência. Desde então já não enxergo sozinho as ondas no mar, nem rosas ou lírios nos campos. Não vejo forças suficientes em mim, nem milagres ou palavras. Há um vento que dá rumo ao meu veleiro pelas águas seguras na calmaria.
Só restou o constrangimento de querer pagar O que não me cobra e a gratidão que me enquieta nesse acalanto.

Ao Único que é digno seja a honra e a glória, pelos séculos dos séculos !

Amém.

Alexandre Unruh

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